A vaidade no espelho acadêmico: uma continuação silenciosa
(reflexão de minha experiência como editor da Revista de Direito Tributário da APET)
Marcelo Magalhães Peixoto
Presidente-fundador da APET (Associação Paulista de Estudos Tributários). Doutorando e Mestre em Direito pela PUC-SP.
Do silêncio retórico ao silêncio acadêmico
Na semana passada, escrevi sobre a retórica do silêncio e, também, sobre como “saber calar”, na advocacia, pode ser mais persuasivo do que falar demais.
A recepção ao texto me encorajou a expandir essa reflexão para outro cenário em que o silêncio – desta vez imposto pelo anonimato – também revela muito: o ambiente acadêmico.
Hoje, trago uma continuação natural desse tema, mas agora em relação ao universo acadêmico.
O que acontece quando um autor, acostumado aos aplausos, recebe uma crítica anônima?
Spoiler: o silêncio imposto pelo sistema de avaliação às cegas pode ser mais doloroso do que qualquer reprovação direta.
A vaidade grita, mesmo quando ninguém sabe de onde veio a voz.
A experiência do anonimato acadêmico
Conforme mencionei linhas atrás, hoje estenderei o fio dessa conversa sob a perspectiva do silêncio imposto pelo anonimato – não no tribunal, mas no meio acadêmico.
Coordeno há mais de vinte anos a Revista de Direito Tributário da APET, atualmente em seu 51º número.
Desde o n. 48, adotamos formalmente o sistema de double-blind review: dois pareceristas (professores doutores) analisam, “às cegas”, os artigos submetidos. O autor não sabe quem o avalia; o avaliador não sabe quem escreveu.
À primeira vista, trata-se de um procedimento técnico, quase burocrático. Mas, à luz da reflexão sobre o silêncio como expressão de sabedoria e contenção, vejo nesse modelo algo mais profundo: um teste moral e um espelho ético.
Casos como o que relatarei a seguir não são raros – já ocorreram outras vezes, e, provavelmente, voltarão a ocorrer.
Em um dos episódios mais recentes, um artigo assinado por um renomado autor – doutor, conhecido, atuante – foi rejeitado.
A rejeição partiu de um dos avaliadores, uma figura de sólida formação, com parecer tecnicamente consistente. O segundo avaliador, por sua vez, ainda não havia enviado sua análise.
Mesmo assim, o autor, ao perceber que seu texto não havia sido aprovado para publicação, reagiu com veemência. Não sabia quem o avaliara, mas desabafava comigo, o editor, como se eu fosse o arquiteto de uma injustiça pessoal.
Rebatia ponto por ponto, como se fosse possível, na força do argumento ou do currículo, reconquistar o que sentia ter perdido: a validação silenciosa que sustentava sua autoconfiança acadêmica.
A vaidade, como já observava Pascal, é uma marca da miséria humana. Nietzsche foi além, chamando o vaidoso de “escravo do olhar do outro”. E talvez, sem pretender rivalizar com tais pensadores, eu arriscaria dizer: “o vaidoso não sabe escutar – e, menos ainda, calar”.
O sistema de avaliação às cegas impõe um silêncio incômodo. Ele retira o nome da capa, dissolve títulos, neutraliza relações. Obriga o texto a falar por si. E é nesse silêncio de identidade que muitos autores se sentem “nus”. Dói mais não ser reconhecido do que ser criticado.
O mérito, quando anônimo, revela-se mais puro – ou mais cruel para os que dependem da legitimação alheia.
Se, como propus no ensaio anterior, o silêncio pode ser argumento em estado latente, aqui ele é também ferramenta de justiça acadêmica. E, como na advocacia, em que o silêncio firme após uma proposta de honorários pode valer mais que longas explicações, na ciência, o silêncio do nome obriga à escuta do conteúdo.
Robert K. Merton, sociólogo da ciência, ao defender o “desinteresse” como pilar do fazer científico, antecipou essa lógica: “o que importa não é quem fala, mas o que se diz – e como se sustenta”.
Encerrando em silêncio
Concluo, assim, com a mesma serenidade que encontrei nas páginas de Dinouart: o silêncio, seja na tribuna, seja na banca editorial, não é omissão.
É maturidade
. É espelho. E, quando bem compreendido, pode ser também o mais eloquente dos argumentos.
Autor: Marcelo Magalhães Peixoto